A homossexualidade é uma ilha cercada de ignorância por todos os lados.
Nesse sentido, não existe aspecto do comportamento humano que se lhe
compare.
Não há descrição de civilização alguma, de qualquer época, que não faça
referência à existência de mulheres e homens homossexuais. Apesar dessa
constatação, ainda hoje esse tipo de comportamento é chamado de
antinatural.
Os que assim o julgam partem do princípio de que a natureza (ou Deus)
criou órgãos sexuais para que os seres humanos procriassem; portanto,
qualquer relacionamento que não envolva pênis e vagina vai contra ela
(ou Ele).
Se partirmos de princípio tão frágil, como justificar a prática de sexo
anal entre heterossexuais? E o sexo oral? E o beijo na boca? Deus não
teria criado a boca para comer e a língua para articular palavras?
Se a homossexualidade fosse apenas perversão humana, não seria
encontrada em outros animais. Desde o início do século 20, no entanto,
ela tem sido descrita em grande variedade de espécies de invertebrados e
em vertebrados, como répteis, pássaros e mamíferos.
Em virtualmente todas as espécies de pássaros, em alguma fase da vida,
ocorrem interações homossexuais que envolvem contato genital, que, pelo
menos entre os machos, ocasionalmente terminam em orgasmo e ejaculação.
Comportamento homossexual envolvendo fêmeas e machos foi documentado em
pelo menos 71 espécies de mamíferos, incluindo ratos, camundongos,
hamsters, cobaias, coelhos, porcos-espinhos, cães, gatos, cabritos,
gado, porcos, antílopes, carneiros, macacos e até leões, os reis da
selva.
Relacionamento homossexual entre primatas não humanos está fartamente
documentado na literatura científica. Já em 1914, Hamilton publicou no
Journal of Animal Behaviour um estudo sobre as tendências sexuais em
macacos e babuínos, no qual descreveu intercursos com contato vaginal
entre as fêmeas e penetração anal entre machos dessas espécies. Em 1917,
Kempf relatou observações semelhantes.
Masturbação mútua e penetração anal fazem parte do repertório sexual de
todos os primatas não humanos já estudados, inclusive bonobos e
chimpanzés, nossos parentes mais próximos.
Considerar contra a natureza as práticas homossexuais da espécie humana é
ignorar todo o conhecimento adquirido pelos etologistas em mais de um
século de pesquisas rigorosas.
Os que se sentem pessoalmente ofendidos pela simples existência de
homossexuais talvez imaginem que eles escolheram pertencer a essa
minoria por capricho individual. Quer dizer, num belo dia pensaram: eu
poderia ser heterossexual, mas como sou sem vergonha prefiro me
relacionar com pessoas do mesmo sexo.
Não sejamos ridículos; quem escolheria a homossexualidade se pudesse ser
como a maioria dominante? Se a vida já é dura para os heterossexuais,
imagine para os outros.
A sexualidade não admite opções, simplesmente é. Podemos controlar nosso
comportamento; o desejo, jamais. O desejo brota da alma humana,
indomável como a água que despenca da cachoeira.
Mais antiga do que a roda, a homossexualidade é tão legítima e
inevitável quanto a heterossexualidade. Reprimi-la é ato de violência
que deve ser punido de forma exemplar, como alguns países fazem com o
racismo.
Os que se sentem ultrajados pela presença de homossexuais na vizinhança,
que procurem dentro das próprias inclinações sexuais as razões para
justificar o ultraje. Ao contrário dos conturbados e inseguros, mulheres
e homens em paz com a sexualidade pessoal costumam aceitar a alheia com
respeito e naturalidade.
Negar a pessoas do mesmo sexo permissão para viverem em uniões estáveis
com os mesmos direitos das uniões heterossexuais é uma imposição abusiva
que vai contra os princípios mais elementares de justiça social.
Os pastores de almas que se opõem ao casamento entre homossexuais têm o
direito de recomendar a seus rebanhos que não o façam, mas não podem ser
fascistas a ponto de pretender impor sua vontade aos que não pensam
como eles.
Afinal, caro leitor, a menos que seus dias sejam atormentados por
fantasias sexuais inconfessáveis, que diferença faz se a colega de
escritório é apaixonada por uma mulher? Se o vizinho dorme com outro
homem? Se, ao morrer, o apartamento dele será herdado por um sobrinho ou
pelo companheiro com quem viveu trinta anos?
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