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| A homofobia na França se deve, em grande parte, à maciça imigração de povos de cultura conservadora.
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A angustiante tensão social e política em que vive a França nos últimos 
meses, marcados pela recessão econômica, o aumento histórico do 
desemprego e as maciças manifestações da Igreja Católica, da direita e 
da extrema-direita contra a lei do casamento gay, degenerou na 
quarta-feira na tragédia que muitos temiam. Clément Méric, um estudante 
de 18 anos, sindicalista, militante antifascista e aluno do primeiro ano
 de ciências políticas em Paris, foi brutalmente agredido por um grupo 
de “skinheads” [cabeças raspadas] de ideologia neonazista.
A vítima, filho de dois antigos professores de direito, ficou em estado 
de morte cerebral depois de receber um soco de um jovem de 20 anos 
ligado a um dos diversos grupos de extrema-direita que ganharam 
visibilidade nos últimos meses. Os médicos certificaram sua morte às 
17h20 de quinta-feira.
O suposto agressor, que o jornal “Libération” identifica como Esteban 
M., de origem espanhola, havia sido detido pouco antes, junto com outras
 seis pessoas, entre elas uma mulher, que participaram do ato. Uma fonte
 policial explicou que o atacante aplicou em Méric um golpe com um 
soco-inglês e que o jovem caiu para trás e bateu a cabeça em uma estaca 
de ferro, ficando desacordado na calçada.
A polícia adiantou que alguns dos detidos “gravitam ao redor do núcleo 
duro” do grupo neonazista Juventudes Nacionalistas Revolucionárias 
(JNR), embora seu líder, Serge Ayoub, tenha tentado negar a acusação. As
 JNR foram fundadas em 1987 por Ayoub, e seus membros são conhecidos por
 usar a cabeça raspada, pelos distintivos nazistas e a extrema 
violência.
As forças da ordem agradeceram a colaboração de numerosas testemunhas da
 agressão, às 18h de quarta-feira, em uma rua de pedestres muito 
comercial, próxima às lojas de departamentos nos grandes bulevares de 
Paris. O relato dos fatos afirma que Méric visitava, com três amigos, 
uma loja de roupas situada em um andar quando encontrou um grupo de 
jovens radicais de cabeça raspada, jaquetas de aviador e botas 
militares. Depois de se provocarem mutuamente, os dois grupos desceram 
para a rua, discutindo. Mas a briga durou muito pouco. O agressor, 
descrito como um homem alto com uma suástica tatuada no pescoço, 
derrubou Méric com um soco. Segundo seus amigos, o rapaz estava frágil 
porque se recuperava de uma leucemia.
O presidente François Hollande, em visita oficial ao Japão, condenou 
“com a maior firmeza” a agressão e pediu “responsabilidade” das forças 
políticas “para não piorar ainda mais um clima que já é tenso demais”. O
 primeiro-ministro, Jean-Marc Ayrault, afirmou no Senado que pediu aos 
ministérios do Interior e da Justiça que façam “o que for necessário 
para dissolver e reduzir a pedaços os grupos violentos de 
extrema-direita”. No Parlamento, foi feito um minuto de silêncio.
Os colegas de Méric no Instituto de Estudos Políticos de Paris lhe 
prestaram homenagem em um ambiente de consternação, raiva e medo. 
Cantaram a “Internacional” e velhas canções da resistência antifascista.
 Álex, amigo de Méric, descreveu a vítima como “um rapaz amável e muito 
comprometido” e confirmou que militava no sindicato esquerdista 
estudantil SUD.
O jovem –”um estudante brilhante”, segundo seus professores– também 
fazia parte da rede Ação Antifascista Paris-Periferia, que atribuiu a 
morte de Méric ao “contexto de violência da extrema-direita desenvolvido
 nos últimos meses”.
Os partidos demonstraram sua repulsa pela agressão, embora alguns tenham
 se envolvido em acusações cruzadas. A esquerda parlamentar e os 
sindicatos convocaram concentrações de repúdio em Paris e outras 
cidades. Na Espanha, houve atos de solidariedade diante das legações 
francesas.
O colíder do Partido de Esquerda, Jean-Luc Mélenchon, exigiu “a 
dissolução dos grupos de extrema-direita que multiplicaram os atos de 
violência nas últimas semanas” e salientou que “a violência que 
assassinou Méric não é fortuita, responde à cultura metodicamente 
exercida pelos extremistas” próximos da Frente Nacional.
Marine Le Pen, líder da FN, rejeitou qualquer envolvimento de sua 
formação na agressão e lembrou que desde que é presidente expulsou 
“todos os violentos” –esquecendo a presença de cabeças raspadas em seus 
comícios.
“A homofobia mata”
Um vídeo publicado no site do “Le Monde” mostra Méric, magro e baixo, 
com um lenço na boca, segurando diante dos policiais antidistúrbios um 
cartaz que diz: “A homofobia mata”. No lugar exato onde o jovem natural 
de Brest caiu fulminado na quarta-feira –”por suas ideias”, como 
salientou um colega de classe–, alguém escreveu na quinta: “Fascistas, 
fora de nossas vidas”. As pessoas que se concentraram para lhe prestar 
homenagem levavam flores e gritavam “Não passarão!”.
Entre as duas cenas, a do vídeo e a da quinta-feira, passou pouco mais 
de um mês. Em 17 de abril, Méric liderou uma pequena marcha contra a 
mobilização contra a lei do casamento gay, para gritar que o ódio mata. 
Em 6 de junho, Méric morria por causa de um golpe na cabeça produzido 
por um jovem neonazista.
Desde novembro passado, a direita e a extrema-direita tomaram as ruas 
para protestar contra a Lei do Casamento para Todos, promulgada no 
início de maio. Segundo explica o sociólogo Eric Fassin, “a Frente 
Nacional, sabendo que seu sucesso eleitoral depende da imigração mais 
que dos homossexuais, mostrou-se morna e prudente, e isso abriu uma 
oportunidade para os jovens mais radicais ganharem visibilidade e 
legitimar-se”.
A radicalização de todas as direitas –a religiosa, a xenófoba e a 
homófoba– se traduziu em um inferno quase cotidiano: houve dezenas de 
incidentes, tanto em Paris como em outras cidades francesas; mais de 250
 detenções; insultos e ameaças contra ativistas, bares e locais gays, 
coroados com a surra brutal que sofreu o gay Wilfred de Bruijn, em 
Paris. Há um mês, 200 radicais invadiram a comemoração do título de 
bicampeão do PSG, produzindo vultosos danos no bulevar Champs-Elysées. 
Cenas parecidas foram vividas no final da manifestação nos Invalides.
Fonte: El País